sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

"Cabaret": Sensualidade, fetichismo, crítica ao nazismo...


Não via Cláudia Raia no palco desde “Sweet Charity” (2006). Em seus musicais, ela sempre desempenhou bem, em certos aspectos, mas nada muito especial. O mesmo não dá para falar de “Cabaret”, seu mais recente espetáculo.

Em “Cabaret”, a atriz empenha-se fortemente e vence o que parece ser um grande desafio. Isso se pensarmos que ela, de certa forma, substitui Liza Minnelli, que é associada enfaticamente à montagem, no cinema (1972). Porém, seis anos antes, a obra já havia alcançado consagração na Broadway.

Na versão brasileira, Cláudia, definitivamente, não é Liza. As duas escolheram viver a mesma personagem, no entanto, a Sally do cinema é sonhadora, frágil e espera pelo grande amor. No teatro, em São Paulo, ela é pragmática. Dona de um humor cáustico, não vê no amor a melhor forma de ser feliz.

Além disso, a Sally brasileira é alcoólatra, fumante, depressiva e viciada na vida desregrada que leva no Cabaret. Mas, nenhum dos aspectos é tratado com profundidade. As duas horas e 15 minutos de espetáculo (outros 15 correspondem ao intervalo) quer apenas divertir o público.


Esses ingredientes deixaram Cláudia livre para criar a sua própria Sally, um dos acertos da montagem brasileira, além da versão musical, cenários bem realizados, bons recursos de projeção e maquinário.

O ator Jarbas Homem de Mello destaca-se como MC, o mestre de cerimônias do Cabaret. É um prazer vê-lo no palco. Um esforço artístico reconhecido pelo público, que o aplaude com entusiasmo. E, assim como ela, Jarbas achou a medida certa do personagem sem ficar preso à atuação de Joel Grey, premiado com o Oscar de ator coadjuvante, em 1972.

Já Guilherme Magon, que substituiu Reynaldo Gianecchini, no papel do escritor americano, com quem Sally se envolve amorosamente, tem uma participação tímida, como ator.

A história, dividida em dois atos, se passa, principalmente, em dois ambientes. O principal é o Kit Kat Club, uma decadente casa noturna de Berlim, do ano de 1931. Seu vetor é o relacionamento da inglesa Sally Bowles (Cláudia Raia), com um pobre escritor norte-americano Cliff Bradshaw (Guilherme Magon).

Cláudia e Guilherme fazem, pelo menos, uma cena de sexo em suas interpretações. No quarto alugado da pensão da alemã intolerante Fräulein Schneider, ele desfila seu corpo quase nu e ela, muitas vezes, usando apenas lingerie.

Logo ao lado, no Cabaret, o contraste se dá com muito brilho e diversos figurinos e perucas, usadas por ela e pelos bailarinos e bailarinas da casa. Além disso, Jarbas exibe um ‘desenho’ criativo e ousado, em suas aparições frenéticas e hilárias.

Para abordar a ascensão e o preconceito, com uma leve crítica ao partido nazista de Hitler, Fräulein Schneider (vivida por Liane Maya) e o judeu Herr Schultz (Marcos Tumura, de “Les Miserables”, e “Miss Saigon”) vivem um relacionamento amoroso, absolutamente indigesto para aquele momento político.

Cenários e figurinos remontam a época e trazem sensualidade, cor e brilho. O palco foi estendido nas laterais para acomodar parte do público em onze mesas e quadro cadeiras para cada uma delas. A intenção é construir o clima de cabaré. As mesinhas contam com luminárias e telefones de época. O setor é um dos mais caros.

Em todo o palco, o fundo é preenchido com cortinas de pedras transparentes. Quase escondida, despertando a curiosidade da plateia, há uma banda composta por 14 músicos, regida pela maestrina Beatriz de Luca. Todos vestidos à la Kit Kat Club.



A versão original do musical, de 1966, foi escrita pelo dramaturgo Joe Masteroff, baseado na peça “Eu Sou uma Câmera”, de John Van Druten; inspirada, por sua vez, no livro Adeus, Berlim, de Christopher Isherwood.

O espetáculo está concorrido. Comprei ingressos em novembro para assistir somente ontem, dia 19 de janeiro. Quem gosta de eletricidade, ousadia e bom humor, não pode perdê-lo. Outro motivo é ver a protagonista longe dos holofotes globais, dançando e cantando, a todo vapor, mesmo não sendo dona de uma grande extensão vocal. O espetáculo é diversão garantida!


Curiosidades
Segundo a produção, foram investidos R$ 1,8 milhão, envolvendo 80 profissionais (21 atores e catorze músicos), 150 figurinos (dez para Claudia), 40 perucas, em um cenário de sete toneladas.

Os figurinos de Jarbas Homem de Mello têm inspiração fetichista, inspirados em desenhos eróticos alemães do final do século 19.

Ex-fumante, Claudia utiliza cigarros confeccionados com folhas de alface. Ela fuma dois em cena a cada sessão.

A peça deve ficar em cartaz em São Paulo até junho de 2012. Em julho do ano que vem, deverá viajar para o Rio de Janeiro.

Serviço
Local: Teatro Procópio Ferreira
Rua Augusta, 2823 - Jardim América - São Paulo
Telefone 11 - 3083-4475
Horários: Quinta, 21h; sexta, 21h30; sábado 18h e 21h30; domingo, 18h.
Ingressos de R$ 40,00 a R$ 200,00
Censura: 14 anos
Duração: 2h30

Ficha técnica
Texto: Joe Masteroff
Músicas: John Kander
Letras: Fred Ebb
Versão Brasileira: Miguel Falabella
Direção de Coreografia: Alonso Barros
Direção Musical e Vocal: Marconi Araújo
Direção Geral: José Possi Neto
Produção Geral: Sandro Chaim
Elenco: Claudia Raia como Sally Bowles e Jarbas Homem de Melo como MC.
Guilherme Magon, Julio Mancini, Katia Barros, Marcos Tumura e Liane Maya,
Alberto Goya, Alessandra Dimitriou, Carol Costa, Daniel Monteiro, Fabiane
Bang, Hellen de Castro, Keka Santos, Leo Wagner, Luana Zenun, Luciana
Milano, Marcelo Vasquez, Mateus Ribeiro, Rodrigo Negrini e Tomas Quaresma.
Cenário: Chris Aizner e Nilton Aizner
Cenógrafos Associados: Renato Theoblado e Roberto Rolnik
Figurino: Fábio Namatame
Iluminação: Paulo César Medeiros
Design de Som: Tocko Michelazzo
Visagismo: Henrique Mello e Robin Garcia
Programação Visual: Fuego

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A Pele que Habito: Corajoso, intrigante, bem alinhavado, inquietante...


Dizer que Almadóvar é genial tornou-se um lugar-comum. Há tempos não vamos assistir a um filme de Pedro Almadóvar, vamos ver um Almadóvar. E mais uma vez essa afirmação é constatada em “A Pele que Habito”.

É uma criação diferente, sem cores fortes e brilhantes, sem a comédia de escracho, sem os melodramas exacerbados, sem a discussão explícita sobre sexualidade, às vezes caricatual, comuns em suas películas. No entanto, ele conseguiu imprimir sua marca com todos esses ingredientes, de forma inversa, sutil e sombria. Incrível. É um destilar de sua essência.

Impossível sair indiferente da sala escura, após ver “A Pele que Habito”. O filme é intenso, prende demais a atenção a ponto de esquecermos que estamos no cinema. É um devorar da história, que ao mesmo tempo devora cada olhar dispensado. Inquietante, perturbador!

“A Pele que Habito” não deixa seus espectadores imunes. Ele provoca, angustia, penetra e mergulha nas profundezas da mente, sem explicação. O resultado, entre outros, é uma reflexão sem fim. Pelo menos nos primeiros três dias, depois de presenciar as cenas tão bem executadas.

O que falar dos atores? Todos ótimos e bem dirigidos, com mais ou menos aparições. Adoro diretor que dirige! E Pedro Almadóvar faz jus ao título. Frouxidão não é com ele. Dos enquadramentos a narrativa, ação, desfecho... Cada tomada demonstra cuidado e precisão.


A firmeza e segurança de Antonio Banderas ao interpretar Richard Legrand são disseminadas por todo o filme. Nada de mais, nem de menos. Convicto e fiel. Nenhuma redundante ideologia explícita, reproduzida do mundo contemporâneo, muito menos disfarçada. Que alívio!

Conhecido por explorar comumente o universo feminino no cinema, neste filme ele aprofunda-se muito assertivamente na atmosfera particular masculina. Um jogo cênico de psiques envolvendo a sexualidade, desejo, identidade, poder, paradoxos e a loucura, propriamente dita. Tudo na medida certa!

A atriz espanhola Elena Anaya diz tudo com os olhos, literalmente as janelas de sua alma, emanando a mescla sofrimento e ódio. Já vimos esse olhar lacrimejante extraído por ele, que vasculha o artista até o ponto final. Em quem? Na sempre Victoria Abril. Não?
Marisa Paredes, claro, está perfeita como Marília, a fiel empregada de Legrand, que esconde um grande segredo, entre outros mistérios pulverizados na trama.


“La Piel que Habito”, título original, é inspirado no romance de terror “Mygale”, do francês Thierry Jonquet, publicado em 1995, em seu país, e traduzido em 2003, como “Tarantula”, nos Estados Unidos e Reino Unido.

O filme conta a história de Richard Legrand, um bem-sucedido cirurgião plástico, que vive em uma mansão afastada do centro da cidade. Sua esposa é vítima de queimaduras graves, após sofrer um acidente de carro. Ele, então, dedica suas experiências a procura de uma pele resistente ao fogo, “perfeita”.

São muitas as reviravoltas, porém é um trágico acontecimento com a filha do médico que leva a narrativa para rumos surpreendentes e saborosamente indigestos.

Ficha Técnica

A Pele que Habito (La Piel que Habito), drama, 117 min, 2011
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar, baseado em livro de Thierry Jonquet
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet
Produção: Pedro Almodóvar e Agustín Almodóvar
Música: Alberto Iglesias
Fotografia: José Luis Alcaine
Direção de arte: Carlos Bodelón
Figurino: Paco Delgado
Edição: José Salcedo
Site oficial: http://www.sonyclassics.com/theskinilivein
Estúdio: El Deseo S.A.
Distribuidora: Sony Pictures Classics (EUA)/ Paris Filmes (Brasil)
Trailer do filme: http://www.snpcultura.org/pele_onde_eu_vivo.html

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O Último Dançarino de Mao ainda no cinema

 
Depois de receber o prêmio de melhor filme, pelo público, na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, "O Último Dançarino de Mao" ainda pode ser visto na capital.

O longa-metragem é dirigido pelo australiano Bruce Beresford, cujo trabaho mais conhecido é “Conduzindo Miss Daisy”, vencedor de quatro Oscars em 1990, incluindo o de melhor filme.

Entrando na quinta semana em cartaz, o filme ainda pode ser visto no cinema. O roteiro é baseado na autobiografia do bailarino chinês Li Cunxin, com o título “Adeus China – O último bailarino de Mao”. Se você está em São Paulo nesse mês de férias, eis a sugestão!

O ator e bailarino Chi Cao interpreta Li Cunxin com primor na sua fase adulta. O próprio Li aprovou seu intérprete na tela. Cao, aliás, é filho de dois professores do personagem real na Academia de Balé de Pequim.

Criança, Li (nessa fase interpretado por Wen Bin Huang) vive com simplicidade ao lado dos pais camponeses e mais irmãos. Um dia sua aldeia é visitada por representantes do governo de Mao Tse Tung, recrutando candidatos para treinamentos artístico e atlético.


O menino é escolhido para estudar dança em Pequim, juntamente com outras crianças de sua e outras regiões. Ainda que emocionalmente divididos, os pais viam aí uma oportunidade de um futuro melhor para o filho.

Em Pequim, Li passa por treinamentos intensivos, dolorosos e, às vezes com palavras humilhantes vindas dos técnicos. A ideologia política é assimilada pelo garoto, já que por toda a parte há o enaltecimento dos valores da revolução comunista.

Uma visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972, dá início a um processo de aproximação com os EUA. A partir daí, começa a ocorrer um intercâmbio maior entre os dois países.

Com isso, o diretor do balé de Houston, Ben Stevenson (Bruce Greenwood), impressiona-se com o talento do bailarino chinês e o convida para uma temporada no Texas.

Lá, ele descobre uma realidade inteiramente diferente da de seu país. Momento em que a ideologia americana aparece como sendo melhor do que a chinesa da época, por pregar o velho clichê de um país, onde as pessoas são livres. Nesse aspecto há caricaturas e enaltecimento desnecessário do sonho americano, como a vida ideal, o melhor dos mundos para o ser humano.


Somando a idealização de vida e lugar perfeitos a sua paixão pela bailarina Elizabeth (Amanda Schull), Li decide ficar nos EUA. Essa decisão provoca um desconforto diplomático, acarretando uma sequência de acontecimentos dramáticos, embora pouco profundos.

As cenas de dança são nitidamente bem elaboradas. A excelente reconstituição de época (China), denota a bela direção de arte. A atuação de Bruce Greenwood (“Star Trek”) também merece destaque.

A emoção fica por conta da história de superação pessoal de Li, um garoto chinês mirradinho que, na vida real, tornou-se referência mundial, como bailarino, constituindo carreira nos EUA, e que, atualmente, vive na Austrália.

FICHA TÉCNICA

"Mao’s Last dancer" (O último dançarino de Mao), drama, 117 min., 2009, Austrália, cor, 14 anos.
Diretor: Bruce Beresford
Elenco: Bruce Greenwood, Kyle MacLachlan, Joan Chen, Chi Cao, Amanda Schull, Penne Hackforth-Jones, Christopher Kirby
Produção: Jane Scott Roteiro: Jan Sardi
Fotografia: Peter James Trilha
Sonora: Christopher Gordon
Distribuidora: Califórnia Filmes

TRAILER DO FILME

SOBRE O DIRETOR