terça-feira, 12 de julho de 2011

“Meia-Noite em Paris”: o realismo fantástico de Woody Allen está de Volta

Primeiro em “ A Rosa Púrpura do Cairo” (1985), depois, levemente, em “Neblina e Sombras” (1991) e, agora, a realidade dá vazão ao mundo imaginário, no enredo de “Meia-Noite em Paris”.

Em minha opinião, você não pode deixar de assistir ao mais recente filme de Woody Allen, “Meia-Noite em Paris”. Principalmente, se você é amante das artes. Qualquer arte... uma arte... duas artes... ou todas as artes.

O filme, genialmente, nos leva a um mundo fantástico, mesclando a realidade da dura vida com seus conflitos existenciais e o desejo de ter vivido na época em que mais se admira, exalta.

Na minha fase do ensino fundamental, sonhava com a “Belle Époque”, por influência da dona Nanci, uma professora de História, apaixonada pela França do final do século XIX. Quando eu cursava jornalismo lamentava, com uma quase revolta, não ter lutado contra a ditadura militar brasileira. No curso de letras, o desejo era ter presenciado a “Semana de Arte Moderna”, no Teatro Municipal, do começo dos anos de 1900, em São Paulo. E por aí vai...

E é com essa fascinação pela magia histórica-política-intelectual dos anos de ouro, que Woody Allen vai brincar. Desculpe-me o termo, mas ele brinca nesse filme. Essa brincadeira é tão atraente, que será impossível resistir ao convite majestoso do cineasta.

É um transportar pela tela a encontros divertidos e emocionantes com artistas americanos “desprezados” em seu país, mas acolhidos na Paris, da década de 20, como a poetisa Gertrudes Stein, o músico Cole Porter e os escritores Ernest Hemingway e Francis Scott Fitzgerald. A homenagem estende-se aos europeus como Pablo Picasso, Henri Matisse, Paul Gauguin e Luis Buñuel, entre tantos outros que garantem o deleite.

A cada aparição, um impacto, que começa com a revelação da personagem, passeia pela atuação daquele ator que a encarna e finaliza com acontecimentos históricos, engraçados e, muitas vezes, cativantes, ao olhar da plateia. Público, que, em meio a suspiros e sussurros, demonstram surpresa e vontade de continuar aquelas prosaicas discussões, que hoje são dissertações de pesquisas científicas.

Um cinema nonsense, repleto de delicadeza. Por meio do realismo fantástico, ele traz a reflexão sobre o quanto o ser humano é insatisfeito com o presente, em algum nível, e, essencialmente, mostra a sua busca pela pessoa que o fará se sentir imortal, capaz, forte e feliz. Isso, sem aludir aos motes do príncipe que luta para livrar a princesa do mal ou de “Romeu e Julieta” etc, os quais continuam sendo fortes vetores em filmes e novelas...

No roteiro, estão formadas as confusões amorosas, os valores familiares americanos, a neurose feminina, canalizada na realização de um casamento com um homem bem-sucedido e o soberbo mundo americano dos negócios (levemente tratado).

Esses panoramas contrapõem ao clima romântico da cidade-luz, a atmosfera granulada e brilhante de uma película, que ora valoriza o contraste claro-escuro, ora lança mão dos holofotes e closes em pessoas e objetos.

Para expressar esses sentidos, Woody Allen criou o protagonista Gil Pender (Owen Wilson, de “Marley e Eu”), um roteirista norte-americano super bem cotado em Hollywood, mas claramente frustrado. Seu desejo é deixar essa vida da indústria pipoca em rede e tornar-se escritor de bons romances. A angústia desse homem indeciso e inseguro é perturbadora.

Ele e Inez (Rachel McAdams, “O Diário de uma Paixão”) estão prestes a se casar e, acompanhando os pais da moça, eles visitam Paris. Gil quer ficar e ela, exageradamente superficial, odeia a possibilidade de deixar os Estados Unidos.

Owen é o alterego de Woody Allen e Gil é o próprio; com direito a gestos, neuroses, gagueiras e expressões faciais do cineasta, quando atuava em seus filmes. Incrível, eu não tinha notado em “Marley e Eu” essa grande semelhança! Ou melhor, uma perfeita fusão. Admirável!

A musa de Allen, dessa vez, é a charmosa Paris, principalmente nas noites de chuva. Mas as tomadas começam durante o dia, revelando a rotina e os pontos turísticos da capital. As cenas vão até a meia noite. Nesse período, como em um conto de fadas, o sino badala e o sonho entra em ação. (sem efeitos especiais).

Viagens pelo tempo em que Gil, a cada retorno, toma mais consciência de sua vida e de seus segredos. Vale destacar sua paixão por Adriana (fetiche de Mondigliani e Picasso). Contrapondo ao exagero de Inez, a construção de Adriana resultou em uma bela estudante de moda, sensual e fascinante, muito bem interpretada pela excelente Marion Cotillard (“Piaf - Um Hino ao Amor").

Contudo, “Meia Noite em Paris” explora a imaginação, leva o espectador para um belíssimo passeio e ainda garante risos descontraídos. Experimente! É digno de adoração!

Ficha técnica:“Meia-Noite me Paris” (Midnight in Paris), 100 min., 2011, Paris
Diretor: Woody Allen
Atores: Owen Wilson, Marion Cotillard, Rachel McAdams, Kurt Fuller, Mimi Kennedy e Carla Bruni, como guia turística.

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