quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Chorara pelos momentos...

...que ainda não tinha vivido. Não sabia se por falta de coragem, oportunidade ou manobras do destino.

Sentia como se o vento soprasse e a levasse para horizontes desconhecidos, sem que tivesse controle do leme.

O leme já há muito estava longe de suas mãos. Não sentia dona de sua vida, de seus sentimentos e tampouco de seu coração.

Era um coração leviano e maldoso, porque só a colocava nas piores situações. Por mais que lesse livros de auto-ajuda, de psicologia, de espiritismo, de hinduismo, de budismo, de taoismo e todos os ismos, não achava uma explicação plausível para tanto vendaval existencial. Era um atrás do outro. Como Deus poderia permitir uma coisa dessas, se é que Deus existia!

Tinha dia que ela se sentia mais feliz, motivada a acordar, agradecia pelo sol, mais tarde pela lua, estrelas, o céu, a chuva e o mar. Sentia até vontade fazer ásanas (yoga).

No outro pedia para morrer. Sem esperanças, queria apenas acabar com a profunda dor que sentia. A dor que não sabia de onde vinha e nem o porquê.

Sim, não queria mais saber o motivo do sofrimento. Até da terapia já tinha desistido. “Que Freud, que Jung, que Eva Pierrakos, que nada!”, pensava enfurecida.

"Abaixo o autoconhecimento", escreveu com o seu batom de cor mais escura na vidraça de sua janela da sala de jantar, do 21º andar, da avenida Antônio Carlos Berrini, no Morumbi.

Após o ato de redenção, foi tomar banho.

Naquela noite queria banho de espumas para alvejar a pele. Em seguida, trocou a água e despejou um vidro de óleo importando (to take a shower), o qual havia trazido do Canadá.

Guardou a fragrância por um ano. Esperava uma ocasião... A dois! Mas como a noite ou o dia fabuloso nunca chegara, resolveu usar tudo de uma só vez. Jogou o vidro contra a parede. “Tão difícil e impossível que nem quebrou”, pensou aludindo mais à deplorável situação do que ao próprio frasco.

Saiu da banheira lentamente, enxugou cada parte de seu corpo, sentindo seu toque como se estivesse despedindo de seu corpo. Esfregou o hidratante que trouxera de sua mais recente viagem a Nova Iorque, sem sequer imaginar o momento que havia planejado para usar o tal moisturizing.

Foi até o closet. Tirou da gaveta a camisola de seda inglesa, comprada naquela tarde, e a colocou, juntamente com aquela glamurosa calcinha do tipo fio dental da famosa marca americana, feita para "dar asas à imaginação".

Caminhou penosamente até a varanda. Olhou os carros pequeninos que passavam por entre as diversas ruas desertas daquela noite.

Fitou o jardim bem cuidado de seu condomínio. Deslizou as unhas na cor "la boheme" pela grade dourada, que cercava a sacada.

Foi até o espelho da sala de jantar. Era o maior entre os vários que decoravam o belo duplex de 500 metros quadrados herdado de seus pais.

Dirigiu-se ao refrigerador. Pegou o champanhe que havia colocado há menos de uma hora para gelar. Voltou à varanda. “Que noite linda”, pensou debruçada na grade.

Abriu a garrafa, derramou lentamente o líquido em uma de suas taças, entre as muitas de cristal que colecionava, tomou com dificuldade a bebida, brindando a sua maravilhosa solidão!

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