segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Ele havia economizado...

... dinheiro de seu salário por quase seis meses para comprar um tocador de áudio digital portátil, repleto de modernos recursos, e um super, mega, ultra fone de ouvido, como ele mesmo dizia.

Costumava ir à faculdade, na rua da Consolação, ouvindo suas músicas prediletas para aliviar a tensão de um dia cheio de trabalho, cheio de cobranças de sua chefe chata, cara de batata, e do próprio curso de sua vida, que às vezes parecia entrar em estado de total estagnação.

Vida tão inerte... Naquela noite, tinha a sensação de não sentir seus pés no asfalto de péssima qualidade, pois se lembrava que recentemente aquele mesmo trecho tinha passado por um recapeamento. “Nossa de novo esta obra”, pensava indignado.

Refletiu sobre os políticos, a economia, a sociedade, as eleições, cujo processo havia ocorrido há menos de um mês. De repente sentiu-se mal por morar naquela cidade - no centro daquela cidade - e presenciar a sua triste decadência.

Cachorros abandonados na rua, ratos saindo de bueiros, ruas sem iluminação adequada, milhares de pessoas, milhares de automóveis... O transporte público, então? Uma calamidade. “Aí que angustia”, pensava, respirando profundamente aquele ar repleto de CO2.

Sua vontade era de voltar para casa - nas imediações - e dormir. Dormir sem pensar em nada. Na verdade, ele queria mesmo era um “flit paralisante qualquer”. Há pouco tinha escutado Cazuza em seu novo aparelho!

Continuou andando cabisbaixo, quando de repente sentiu um cheiro esquisito e um golpe, quase um soco, em seu queixo. Aturdido também sentia uma forte dor na sua orelha esquerda. – Meu Deus fui roubado!

Olhou para trás e viu três moleques saindo em disparada, melhor dizendo, três garotos desses que dormem nas ruas “do purgatório da beleza e do caos”.

Pouco antes dessa cena ouvira Fernanda Abreu e rapidamente associou o “Rio 40 Graus” com a “Paulicéia Desvairada”. Afinal, qual era mesmo a diferença?

Sentiu-se invadido, com muita raiva, com vontade de cortar as cabeças daqueles três pirralhos que acabavam de levar o seu mais recém concreto sonho de consumo.

Ele corria atrás dos ladrões como um velocista. A raiva o cegava.

Pegou um e jogou na rua. Continuou atrás dos outros... Agarrou o segundo e resgatou o fone, já com o fio cortado. Espumou de ódio! Foi atrás do terceiro. Segurou-o pelo braço, o capetinha jogou o tocador no meio da via.

- Moleque, por que você fez isso?.

- Me larga tio, me larga, foi sem querer.

- Sem querer, sem querer... Vocês vão... .

Antes que ele terminasse a frase, o menino cortou a sua mão com uma navalha, soltou-se e correu para o outro lado da rua, em meio a motoqueiros irresponsáveis e carros dirigidos por motoristas alucinados.

- Vou chamar a polícia! Gritou, sentindo dor.

Andou, andou e não encontrou viatura alguma. Lembrou-se de um posto policial, atrás da avenida Amaral Gurgel.

- Senhor policial, acabo de ser roubado.

- É? Onde?

- Na rua da Consolação, aqui pertinho.

- Como foi?

Ele contou todo o RÊ-TÊ-TÊ, o qual você já conhece.

- Olha meu rapaz é melhor deixar isso pra lá. Aqui nas redondezas tá cheio de moleque safado. Vai pra casa, toma um banho e dorme que você ganha muito mais. Este cobertor velho, encardido e fedido, que você está segurando, não prova nada.

Perplexo, ele não havia percebido que estava carregando o cobertor de um dos garotos durante todo o tempo. Livrou-se do objeto repulsivo e foi embora!

Chegou em casa. Trocou de jaqueta. Pegou o seu “spray de pimenta” e saiu em direção ao minhocão.

“Encontrei um dos delinqüentes”, pensou...

Mirou o recipiente na cara do moleque, que estava deitado no chão com um outro cobertor, é claro! Apertou a válvula e tsssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss...

- Seu f-d-p. Meu olho está ardendo. Aííiííííííííííiííí... seu puuuuuuuuuuto...

Ele chegou em casa. Tomou banho. Jantou, ouvindo Cazuza e dormiu!

“Ideologia? Eu quero uma pra viver”.

Infelizmente este texto é baseado em uma história bem real.

7 comentários:

Srta. C disse...

E de "sem querer" em "sem querer", vamos vivendo nesse país medonho...

Unknown disse...

Oi Rosi,

Parabéns pelo Blog! Te desejo sucesso e motivação, manter um blog não é pra qualquer um!
beijo,
Bianca

Unknown disse...

Infelismente a dura realidade das cidades grandes.
Coitado do amigão ai, porém acho que todos deveriam ler e verificar que até as autoridades não estão mais dando importância ao cidadão de bem!!!
VAMOS COMBATER A VIOLÊNCIA.
gil

Jô Melissa disse...

Algo semelhante já me ocorreu na região, e olha que ouvi a mesma coisa de um policial.
Enfim, são tantas questões envolvidas.

Unknown disse...

Pois é... pura realidade da nossa vida. Não temos direito a "ter" e "perder" tornou-se "normal". Nem a pilícia acha que vale a pena fazer o seu trabalho... é a banalização do caos!

Anônimo disse...

que retetê é esse meu bem?

sucesso sempreeeeeeee!!!

beijos
saudades

adorei! adorando!

Renata Rainho disse...

oi eu tinha sumido e resolvi voltar pra ler tudo. bj e sucesso